quarta-feira, 13 de abril de 2011

Um pouco sobre a história da Bossa Nova

Se a própria definição de Bossa Nova já é discutível, mais incerto ainda é seu nascimento. Marcos são necessários para que empresas e gravadoras possam encher as prateleiras das lojas com lançamentos e compilações. 2008 ficou marcado como o cinqüentenário do estilo, tendo como referência o lançamento do LP “Canção do amor demais”, de Elizeth Cardoso, e o famoso (merecidamente) “Chega de Saudade”, do baiano João Gilberto. Longe de pôr à prova esses dois álbuns, mas o que seria deles sem a participação da dupla de compositores mais importantes da música brasileira: Vinicius de Moraes e Antonio Carlos Jobim?

Embora tanto Tom quanto Vinicius tenham composto em variados estilos, eu me arriscaria a afirmar que a Bossa Nova nasceu quando o ainda desconhecido pianista aceitou o pedido do renomado poeta para participar da criação das músicas da peça “Orfeu da Conceição”.

O sensível espetáculo só poderia mesmo ter saído da cabeça de Vininha: um mito grego transposto aos morros cariocas – perfeito encontro entre o erudito e o popular. Resumidamente, na história do poeta e diplomata, Orfeu era um morador de favela negro apaixonado pela bela Eurídice. O principal encanto de Orfeu era a sua música. Na peça, a lira grega se transforma no mágico (e já “abrasileirado”) violão.

Assim como o surgimento da Bossa, várias versões são contadas para o primeiro encontro de Vinicius de Moraes e Tom Jobim. A princípio, o responsável pelas músicas da peça seria Vadico, o parceiro de Noel Rosa. Por problemas de saúde, o pianista recusou o convite do Poetinha. Tanto no encarte do CD “Orfeu da Conceição” (com texto de Rodrigo Faour, escrito em 2006) quanto no Songbook “Orfeu” (lançado pela Jobim Music, em 2003), atribui-se ao jornalista Lúcio Rangel a idéia de indicar o jovem Tom a Vinicius. Em “Chega de Saudade” (livro de Ruy Castro lançado em 1990), conta-se que o nome de Tom já estaria sendo soprado no ouvido do poeta por Ronaldo Bôscoli, que, na época, era cunhado de Vinicius.

Ninguém discute, porém, que os dois já se conheciam apenas de vista do Clube da Chave, em Copacabana, onde Vinicius lembra ter se surpreendido com o “jeito diferente” que Tom tocava a música “Tão Só”. Fato é que tempos depois, no bar Villarino, centro do Rio, o Poetinha apresentou a proposta da peça a Jobim, ao que este, sempre preocupado com o pagamento do aluguel, respondeu: “Mas tem um dinheirinho nisso aí?”. A história ficou quase tão famosa quanto os novos parceiros que acabavam de se firmar.

“Orfeu da Conceição” já nasceu grande. Texto e letras de Vinicius de Moraes, música de Antonio Carlos Jobim, cenários de Oscar Niemeyer e um elenco só com atores negros que pisariam pela primeira vez no palco do Teatro Municipal. A peça estreou no dia 25 de setembro de 1956 e fez tanto sucesso que no dia 1º de outubro do mesmo ano, a gravadora Odeon lançou um LP com as músicas cantadas por Orfeu (neste caso, interpretadas pelo cantor Roberto Paiva, escolhido pelo diretor artístico Aloysio de Oliveira), uma abertura instrumental de Jobim inspirada na “Valsa de Eurídice” e o “Monólogo de Orfeu” declamado pelo poeta com a melodia de “Modinha” ao fundo.

O álbum não fez tanto sucesso na época quanto à peça. Isso porque a Odeon optou por lançá-lo em dez polegadas, ou seja, maior que um compacto e menor que o LPs com capacidade de 12 faixas. Poucas pessoas tinham o aparelho necessário para este formato, por isso, o disco “Orfeu da Conceição” ficou restrito à elite.

Nem isso ofuscou o brilho das canções. Para escrevê-las, Tom e Vinicius refugiaram-se em um endereço que logo ficaria famoso: o apartamento de Tom, na Rua Nascimento Silva 107. Lá nasceu “Se todos fossem iguais a você”, primeira parceria da dupla que foi constantemente regravada nesses mais de 50 anos de existência.

O que falta para “Se todos fossem iguais a você” ser considerada Bossa Nova? Admito que a interpretação de Roberto Paiva fica longe do caráter “desafinado” dos bossanovistas. Mas letra e melodia são indiscutivelmente modernas.

A fase de transição é perceptível neste álbum. Na “Ouverture”, a orquestra de 35 integrantes regida por Tom segue à risca o encontro de erudito e popular. É notável a admiração do maestro tanto por Villa-Lobos quanto por Nelson Cavaquinho. A música começa com caráter clássico, é transformada pelo violão de Luiz Bonfá e termina em um legítimo samba.

Percebo em “Um nome de mulher” e “Eu e o meu amor” uma influência maior do samba tradicional. Talvez pela interpretação mais dramática, até um tanto chorosa, de Roberto Paiva. Acredito que o recurso do coro também reforce essa característica.

Em “Mulher, sempre mulher” e “Lamento no morro” sinto mais uma vez a modernidade que resultaria anos mais tarde na Bossa Nova. Letras leves e o violão se impondo à melodia.

No ano em que tanto se fala sobre “Canção do amor demais” e “Chega de Saudade”, pouco é explicado sobre o que era produzido antes. “Orfeu da Conceição” foi um marco na música e no teatro brasileiro, embora tal fato não seja tão reconhecido. Na história, a favela se torna o Monte Olímpo, onde quem reina é Orfeu e seu violão. Na trilha, a música dos deuses: o fruto do que seria apenas o começo da parceria que mudou a história da música popular brasileira.
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Fonte:http://www.bossanova.blogger.com.br/

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